Começo esse texto com um desabafo, pois esse é um desafio que venho vivendo desde o início da quarentena. O termo homeoffice encaixa direitinho na minha história, já que aqui onde eu moro também fica a clínica onde eu trabalho, basta eu abrir uma porta.
Ta aí uma facilidade, mas também um desafio. É que nesse contexto, fico tentando fazer mil coisas ao mesmo tempo, e acabo não fazendo nada direito, ou nem saindo do lugar. Tracei uma meta inicial de produção de conteúdo, com o tempo diminuí, porque percebi que estava ficando muito desgastante para mim, ainda tinham as tarefas de casa, os atendimentos e os cursos, a minha filha estava ficando muito tempo sozinha e eu não estava tendo tempo para mais nada. Reduzi ainda mais agora e estou tentando não me cobrar muito por isso, já que é o que estou dando conta de fazer, dentro das minhas possibilidades.
Uma das coisas que a pandemia me mostrou foi a importância da creche na vida de uma mãe. Aqui são três mães em homeoffice e três crianças para cuidar, a gente reveza no cuidado, mas mesmo assim, o cuidado com os pequenos acaba tirando a gente do eixo. Nós somos autônomas e a nossa renda depende da nossa própria divulgação. Eles demandam e querem atenção. A gente quer corresponder às expectativas deles, mas também quer garantir a renda mensal… e ficamos nesse impasse.
Essa é a minha história e acredito que muitas mulheres estejam passando por situações similares, e por mais que para mim ainda seja difícil, ainda tenho o apoio das minhas irmãs, da minha mãe, do meu irmão, do meu pai e do meu namorado quando preciso.
Mas e quem não tem ninguém para contar? E as mães-solo que sustentam os seus filhos com o seu trabalho e não conseguem trabalhar porque não tem onde deixá-los ou não conseguem conciliar as tantas funções? E a mãe que, mesmo morando com o pai da criança, não pode contar com ele porque ele não se vê na obrigação de “ajudá-la”?
A romantização da sobrecarga das mulheres ainda é muito comum, no entanto, ela não nos beneficia e ainda é utilizada para naturalizar desigualdades de gênero. Por ter a capacidade de gerar uma vida, foi construída culturalmente a ideia de que a mulher seria a única responsável pelo cuidado, educação, estrutura afetiva e personalidade das crianças. Estamos em um heterocentramento, onde primeiro vem todos os outros e depois, se sobrar um tempo, eu olho para mim. Daí vem o nosso sentimento de culpa, a nossa sobrecarga.
Homens estimulados a se aventurar pelo o mundo, enquanto mulheres aprendem a cuidar do lar… esse binarismo dificulta o acesso das mulheres ao mercado de trabalho. Vemos como isso está enraizado na sociedade, quando em processos seletivos temos perguntas direcionadas exclusivamente às mulheres: “tem filhos? é casada? com quem vai deixá-los? e se algo acontecer com eles enquanto estiver trabalhando?”.
Trabalhar em casa é uma alternativa para algumas mães, mas para outras a única possibilidade. É importante que todos entendam que cada mulher-mãe faz o seu melhor dentro de suas possibilidades e limites internos e externos para cuidar de seus filhos, há aquelas que fazem dupla, tripla função para sustentar uma família sozinha.
Como forma de desafogar tantas mães, além de ser necessário que o governo construa mais creches, precisamos repensar a culpabilização da mãe, passar a responsabilizar a negligência do abandono paterno, mostrar aos pais/maridos que ao fazer as tarefas domésticas eles não estão ajudando, estão fazendo a parte deles para a manutenção da casa que eles também moram. Quando eles cuidam dos filhos, não estão só aliviando para a mãe, mas estão sendo pais. Ainda há muito a se fazer para a desconstrução desses estigmas, no entanto, cada pequena atitude é extremamente necessária nesse processo.
Lara Monteiro Moreira
Psicóloga Clínica
CRP 04/58488